Para aí no 9.º dia, da 2.ª década, do vindimário, como diria a Helena Matos, descobri, nem quero pensar por conta de que desatenção, a razão do 'Que farei quando tudo arde?'. Ei-la:
Desarrezoado amor, dentro em meu peito,
tem guerra com a razão. Amor, que jaz
i já de muitos dias, manda e faz
tudo o que quer, a torto e a direito.
Não espera razões, tudo é despeito,
tudo soberba e força; faz, desfaz,
sem respeito nenhum; e quando em paz
cuidais que sois, então tudo é desfeito.
Doutra parte, a Razão tempos espia,
espia ocasiões de tarde em tarde,
que ajunta o tempo; enfim vem o seu dia:
Então não tem lugar certo onde aguarde
Amor; trata traições, que não confia
nem dos seus. Que farei quando tudo arde?
Sá de Miranda - in Poemas de Amor (Vários)

