1. «Admitindo que sentíamos o outro como ele se sente a si próprio - o que Schopenhauer designa por compaixão e que mais exactamente deveria ser desigando por unidade no sofrimento -, deveríamos detestá-lo quando ele próprio, como Pascal, se sente detestável,». [Nietzsche] Se o outro sofre de alucinações, se teme ficar louco, eu próprio devia alucinar-me, eu próprio deveria ficar louco. Ora, qualquer que seja a força do amor, isso não se verifica: fico comovido, angustiado, pois é horrível ver sofrer quem se ama, mas, ao mesmo tempo, fico seco, estanque. [Michelet] A minha identificação é imperfeita: sou uma Mãe (o outro inquieta-me), mas uma Mãe insuficiente: agito-me demasiado, na razão igual da profunda reserva em que, de facto, me encontro. Pois, ao mesmo tempo que me identifico «sinceramente» com a infelicidade do outro, o que leio nessa infelicidade é que ela existe sem mim e que, sendo infeliz por si próprio, o outro me abandona: se ele sofre sem que eu seja a causa, é porque não significo nada para ele: o seu sofrimento anula-me na medida em que existe fora de mim próprio.
2. Dá-se então a reviravolta: pois se o outro sofre sem mim, porquê sofrer em vez dele? A sua infelicidade arrasta-o para longe de mim, apenas posso cansar-me a correr atrás dele, sem esperança de alguma vez o alcançar, de coincidir com ele. Afastemo-nos assim um pouco, esforcemo-nos por manter uma certa distância. Que surja então a palavra calcada que sobe aos lábios de todos, agora que se sobrevive à morte do outro: Vivamos!
3. Sofreria, assim, com o outro, mas sem ajudar, sem me perder. A esta conduta, ao mesmo tempo muito afectiva e muito vigiada, muito apaixonada e muito civilizada, pode dar-se o nome de delicadeza: é como que a forma «sã» (civilizada, artística) da compaixão. (Ate é a Deusa do erro, mas Platão fala da delicadeza de Ate: o pé tem asas, toca ao de leve.). [Banquete]
Roland Barthes - in Fragmentos de um discurso amoroso

