2007/11/23

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«São piores os homens que os corvos. O triste que foi à forca, não o comem os corvos senão depois de executado e morto; e o que anda em juízo, ainda não está executado nem sentenciado, e já está comido.»

Padre António Vieira – in Sermão de Santo António (aos Peixes), 1654



INTRODUÇÃO: A Reforma da justiça Administrativa – Da catarse à acção

É redundante afirmar que a reforma da justiça administrativa, materializada, antes de mais, na aprovação do novo Código de Processo nos Tribunais Administrativos, representa uma alteração de fundo na concepção, até então ferozmente objectivista, do contencioso administrativo. Se indagarmos, porém, quanto às razões que presidiram à assunção da empreitada de reformar a justiça administrativa, o que nos remete, necessariamente, para a realidade precedente, o nosso esforço (porventura, sobretudo, o esforço do jovem operador do direito) é, imediatamente, tolhido pela sensação de se tratar de um Estado com uma perturbação dissociativa da identidade. A concepção política de um Estado Social de Direito convivia, sob as mesmas vestes, com uma concepção ultrapassada, e eminentemente liberal, da função administrativa. É certo que a inspiração francesa do anterior contencioso e, em particular, uma compreensão rígida (purista, se quisermos) do princípio da separação de poderes, tem muito que ver com esta realidade, mas, sobretudo depois da revisão constitucional de 1997, o particular adormecia confortado nos braços de um “Estado-Dr. Jekyll”, acordando, ocasionalmente, para uma luta desigual com uma “Administração-Mr. Hyde”[1]. (...)


[1] A mesma imagem foi já explorada por Maria João Estorninho, na tese “A Fuga para o Direito Privado – Contributo para o estudo da actividade de direito privado da Administração Pública”, embora em contexto diverso e com diferente diagnóstico.