2007/12/22

Werther

Aliciada pelas sucessivas referências de Roland Barthes (e porque quis o manhoso destino que, naquela exacta altura, encontrasse um exemplar num alfarrabista), saltei de um livro em que o objecto amado se mata; para outro em que é o sujeito amoroso que se suicida: WERTHER, de Goethe.
E, porque há dias que são um teste ao nosso cepticismo, chego à página 30 desta edição da Guimarães e C.ª/Editores - velhinha, velhina, como eu gosto - e leio assim:

«Carlota e o respectivo cavalheiro começaram a dançar uma ingleza; não podes imaginar o que senti quando lhe coube a vez de vir figurar connosco. Se visses como ela dança! Todo o seu coração, toda a sua alma estão ali; todo o seu corpo é de uma harmonia e de um tal abandono que a dança parece ser tudo para ela, não ter outro pensamento, não sentir mais coisa alguma e, certamente, tudo o mais desaparecer.
Convidei-a para a segunda contradança, ela só pode conceder-me a terceira, assegurando-me, com a mais franca ingenuidade, que era a allemanda que gostava mais de dançar.
(...)
Começámos; a princípio, fizemos apenas várias trocas de braços. Que graciosidade, meu amigo! Que flexibilidade nos seus movimentos!
Depois, quando o compasso mudou, obrigando-nos a girar à roda uns dos outros, como esferas, houve uma certa confusão entre os pares, porque na sua maior parte estavam pouco habituados àquele torvelinho; nós, porém, fomos mais ladinos: esperámos que eles se cansassem, e, quando os menos hábeis se viram obrigados a abandonar o posto, apoderámo-nos nós deles e prosseguimos ainda com mais ardor, secundados apenas por um par: Audran e a sua dama. Nunca me senti tão agil. Já não era um homem!... Ter aquela sedutora mulher nos braços, voar com ela, rápido como um relâmpago, ver desaparecer tudo em redor de mim!... E, devo confessá-lo, Guilherme, nesse momento fiz o juramento solene de não consentir nunca que uma mulher amada por mim dance a allemanda com outro que não eu... embora tenha de lá ficar morto de fadiga!... Compreendes-me, não é verdade?»