2007/12/12

Baralhar e dar de novo

«Economistas, filósofos e espíritos humanitários escreviam e pregavam contra o regimen económico, considerando-o injusto e intolerável. Lia-se ou ouvia-se o que tôda essa gente escrevia ou dizia. A classe dominante, a burguesia capitalista, nunca deixou de pôr em acção os recursos de que dispunha para contrabalançar essa propaganda de ideias. (...) É que já não podia ter nas mãos na imprensa, a grande arma de que ela se servira para se elevar ao poder, nem podia clamar contra a liberdade de escrever, porque fôra em seu nome, e usando dessa e outras liberdades, que ela fizera 1789. (...)
(...) Por outro lado, a burguesia nada tinha que se admirar das reclamações e dos protestos, porque ela foi o mestre revolucionário do povo. Foi a pregar e a ensinar-lhe a lutar contra os privilégios e as injustiças, que ela teve a fôrça popular a garantir as conquistas de 1789. O discípulo não tem feito senão seguir as pisadas do mestre. Sòmente, êste já não compreende o que antes tão bem compreendia, porque a defesa da posição adquirida oblitera-lhe a visão clara das cousas. (...)
(...) Como é possível à burguesia estabilizar ideias e costumes, se tôda a gente, inclusivè os analfabetos, está em permanente contacto com tudo o que se passa no mundo, pelos jornais, as ilustrações, os livros, o cinema, o aparelho de rádio, os placards, os periódicos, os alto-falantes, que dizem a milheres de pessoas o que se está passando naquele momento a centenas de quilómetros ou permite que elas ouçam um orador, onde quer que êle esteja?
(...) É uma sêde, sempre renovada, de conhecer cousas novas, de aprender. De aprender, em suma, o quê? A modificar, sem darem por isso, hábitos de vida, preconceitos, ideias velhas.»


Emílio Costa - in Ascensão, Poderio e Decadência da Burguesia, 1939