2007/12/24

Está Morta!

«O mais doloroso é que tudo isto seja obra de uma fatalidade cega, brutal, pérfida. Que iniquidade! Cinco minutos, não mais, um atraso de cinco minutos! Se eu tenho chegado cinco minutos mais cedo, o instante fatal ter-se-ia desvanecido como um sonho, para nunca mais. Teria acabado por compreender. Em vez de tudo isto, de hoje para o futuro, só haverá estes quartos vazios, e eu, eu de novo só. Ouvem o tique-taque do relógio? A ele que lhe importa tudo isto? Não tem saudades. Ser só no mundo, que tristeza!
(...)
Para que me servem agora as vossas leis? Para que me servem os vossos usos e costumes, os vossos hábitos, a vossa vida, o vosso estado, a vossa fé? Que me importa que me julguem os vossos tribunais? Que me levem perante os juízes, que me interroguem, e eu direi que não reconheço nada de tudo isto. O juiz bradará: "Cale-se, oficial!" E eu gritar-lhe-ei: "De onde te vem esse poder para que eu lhe deva obediência? Porque é que um terrível destino desfez o que eu tinha de mais caro? Para que me servem agora as vossas leis? Adeus". Oh, pouco me importa.
(...)
O sol nasce - e olhem para ele - não se diria que está morto? Tudo está morto; só há mortos por toda a parte. O homem está só - à sua volta tudo é silêncio -, eis o que é a terra!»


Dostoievski - in Está Morta!, Por causa de um atraso de cinco minutos.