Michel Vovelle - in A Revolução Francesa, 1789-1799, A monarquia constitucional.
«Nunca uma classe foi mais criticada e atacada do que a Burguesia, desde que começou a afirmar-se, a preponderar de-facto e sobretudo desde que, pelo triunfo político, prepondera de direito na vida social. Mais atacado do que a burguesia só o componente da classe, o indivíduo a que chamamos burguês. Neste caso, é o homem mais mal visto do que a classe a que pertence. (...) O sentido pejorativo da palavra burguês, estendeu-se a todos os aspectos odiosos ou ridículos da pessoa, dotando o burguês de uma psicologia tal, que não há defeito que êle não tenha nem qualidade que êle não transforme em defeito. Diz-se mal do burguês agora; disse-se mal dêle há trinta, cinqüenta, cem e duzentos anos; e sempre o indivíduo foi mais maltratado do que a classe. (...) Gente que nada sabe da burguesia, que não faz ideia do que essa palavra significa, diz mal do burguês, empregando o têrmo para injuriar, amesquinhar ou ridicularizar alguém.
É de Gustavo Flaubert, ou é-lhe atribuída a conhecida definição: "É burguês, para mim, todo aquêle que pensa bassement", (não é muito fácil a tradução) o que pensa inferiormente, grosseiramente, sem elevação. A definição é dum intelectual, que por êsse lado rebaixou o burguês; e como era uma boutade, fêz fortuna. (...) Vê-se bem que Flaubert não fêz mais do que manter, numa frase de espírito (que não resiste à mais ligeira análise), a ideia corrente sôbre o burguês, que êle, como tantos, como quási todos nós, aceitou, perfilhou sem mais reparo, como verdade assente, com a verificação da qual se não perde tempo.»
Emílio Costa - in Ascensão, Poderio e Decadência da Burguesia, Cadernos da «Seara Nova», Secção de Estudos Políticos e Sociais, 1939