2007/12/11

«O triunfo da burguesia, pela Revolução Francesa, fôra a consagração legal do que levara séculos a fazer: a passagem da propriedade territorial duma classe para outra, o que se acelera (e é nisso que está um dos mais interessantes aspectos da Revolução) com a mudança dos bens do clero e dos emigrados, em bens nacionais. (...) Entretanto, ia-se consolidando o poder industrial e financeiro da burguesia, que tomava ràpidamente a característica que o define durante do século XIX: a exploração da vida económica feita em nome da livre concorrência, da iniciativa individual, libertada das peias das corporações. É a liberdade legal, teórica para todos, em nome dos Direitos do Homem (que ficará, a-pesar-de tudo, como um dos documentos mais honrosos da história dos homens) mas de-facto, realmente, liberdade só para os que podiam fazer trabalhar os outros por sua conta, isto é, explorar fôrças alheias em proveito próprio.
Economistas advogavam a livre concorrência, a liberdade de acção, porque através dos inconvenientes que aparecem (pois tudo, neste mundo, tem o seu lado mau), o equilíbrio se restabelecia, de harmonia com a justiça social. Ninguém punha em dúvida que assim devesse ser; (...) à medida que os meios de produção foram progredindo, com os mil inventos e aperfeiçoamentos na técnica do trabalho, aquêle princípio estendia-se, na prática, a massas cada vez maiores de trabalhadores. Durante a primeira metade do século, a exploração industrial atinge proporções inauditas. Homens, mulheres e crianças são submetidos, porque precisam de comer, a regimens de trabalho, que fazem das fábricas e das ofícinas, verdadeiros infernos, em que a vida humana é completamente desprezada. E tudo se faz em nome da liberdade individual, das teorias dos economistas, para os quais a miséria era uma lei natural, um mal inevitável. (...)
É através de tôdas essas injustiças e de tôda essa miséria que, durante o século XIX, a burguesia, servida directa ou indirectamente por operários, técnicos, inventores, homens de ciência, exploradores e colonizadores de terras, imperando sem contestação, dominada pela ideia do lucro, mas animada também pelo génio empreendedor, revolve o mundo, e dá-lhe uma fisionomia nova. »


Emílio Costa - in Ascensão, Poderio e Decadência da Burguesia (1939)