2007/12/20

Querem Crer?

«Querem crer? Tomou-me de ponta; tive ocasião de o verificar. Quanto aos seus acessos, ficava fora de si, isso não há dúvida. Que diabo, quando se sai da lama, da miséria, de onde ela saía, haverá o direito de uma pessoa se pôr a rabujar por ter de esfregar o chão ou de lamentar-se da sua pobreza! E, note-se bem, aquilo não era pobreza, era economia; onde era preciso, até havia luxo: nas roupas brancas, por exemplo, havia aceio. (...) De repente, não quis mais voltar ao teatro. E o seu rictus trocista tornou-se cada vez mais acerbo. E eu, pelo meu lado, cada vez mais silencioso.
Deverei desculpar-me? O mais grave de tudo era a casa de empréstimos sobre penhores. Com licença: eu sabia perfeitamente que uma mulher, sobretudo uma mulher de dezasseis anos, não tem outra coisa a fazer senão obedecer ao marido. As mulheres não têm personalidade - eis aqui um axioma, e hoje mesmo, ainda hoje mesmo, isto contiunua a ser um axioma para mim!
Que importa o quer está ali na sala, a verdade é a verdade, e o próprio Stuart Mill nada pode contra ela! Uma mulher que ama, sim, uma mulher que ama - adora até os vícios, até as torturas que o ser amado lhe inflige.»

Dostoievski - in Está Morta!, Planos e mais planos.