2008/01/23

2 em 1: Céptico e Empírico

«E poderás censurar-me, Cleanto, se imito aqui a prudente reserva de Simónides, que, segundo uma história conhecida, ao ser questionada por Hierão sobre o que é Deus, pediu um dia para pensar no assunto, e depois mais dois dias, tendo depois prolongado continuamente o prazo sem nunca dar uma definição ou descrição? Poderias censurar-me se eu tivesse logo respondido que não sabia e que estava consciente de que este assunto está muito além do alcance das minhas faculdades? Podes chamar-me céptico e trocista as vezes que quiseres, mas tendo descoberto, em tantos outros assuntos muito mais familiares, as imperfeições e até as contradições da razão, nunca pude esperar qualquer sucesso das suas frágeis conjecturas num assunto tão sublime e tão afastado da esfera da nossa observação. Quando duas espécies de objectos foram sempre observadas em conjunto, eu posso inferir, através do costume, a existência de uma sempre que vejo a existência da outra, e a isto chamo um argumento experimental. Mas pode ser difícil explicar como este argumento pode ter lugar quando os objectos, como acontece no presente caso, são únicos, individuais, sem paralelo ou semelhança específica. E irá alguém dizer-me, com ar sério, que um universo ordenado tem de surgir de um pensamento e arte semelhantes aos humanos, porque disso temos experiência? Para verificar este raciocínio, seria necessário termos experiência da origem dos mundos; seguramente não é suficiente termos visto barcos e cidades surgirem da arte e engenho humanos...»


David Hume - in Diálogos sobre a Religião Natural, Parte II (Fílon)