2008/01/29

Tantas vezes, "com a quilha exposta ao ar!"

«Hémon: Meu pai, ao dotar os homens da razão, os deuses concederam-lhes a mais preciosa dádiva que se pode imaginar. Será, por acaso, certo tudo o que acabas de dizer? Eu não sei... e praza aos deuses que não saiba nunca. No entanto, outros há, que podem ter outras ideias. De qualquer forma é no teu interesse que me julgo no dever de examinar o que se diz, o que se faz, e as críticas que circulam. Teu semblante inspira temor ao homem do povo, quando este se vê forçado a dizer o que não te é agradável ouvir. (...) Para mim, meu pai, a tua prosperidade é o bem mais precioso. Que mais belo florão podem ter os filhos, do que a glória de seu pai; e que melhor alegria terá o pai, do que a glória dos filhos? Mas não creias que só tuas decisões sejam acertadas e justas... Todos quantos pensam que só eles têm inteligência, e o dom da palavra, e um espírito superior, ah! esses, quando de perto os examinamos, mostrar-se-ão inteiramente vazios! Por muito sábios que nos julguemos, não há desar em aprender ainda mais, e em não persistir em juízos erróneos... Quando as torrentes passam engrossadas pelos aguaceiros, as árvores que vergam conservam seus ramos, e as que resistem são arrancadas pelas raízes! O piloto que, em plena tempestade, teima em conservar abertas as velas, faz emborcar o navio, e lá se vai, com a quilha exposta ao ar! Cede, pois,no teu íntimo, e revoga teu édito. Se, apesar de minha idade, me é lícito emitir um parecer, direi que o homem que possuir toda a prudência possível, deve levar vantagem aos outros; mas como tal virtude nunca se encontra, manda o bom senso que aproveitemos os conselhos dos demais.

(...)

Creonte: Com que então cabe à cidade impor-me as leis que devo promulgar?

(...)

Hémon: Ouve: não há Estado algum que pertença a um único homem!

Creonte: Não pertence a cidade, então, a seu governante?

Hémon: Só num país inteiramente deserto terias o direito de governar sozinho! »


Sófocles - in Antígona