2008/02/26

4 circunstâncias de que depende todo ou a maior parte do mal natural

«A quarta* circunstância de onde emerge a miséria e o mal do universo é a incorrecta execução de todas as molas e princípios da grande máquina da natureza. (...) deve-se observar que nenhuma destas partes ou princípios, ainda que úteis, está assim tão cuidadosamente ajustada que se contenha com precisão dentro daqueles limites que são no que consiste a utilidade, mas são, todos eles, capazes, em qualquer ocasião, de se deslocarem de um extremo a outro. Podia-se, neste sentido, imaginar que esta grande produção não teria recebido o último retoque do criador, tão pouco acabadas estão todas as suas partes e tão grosseiros os procesos com os quais são executadas. Assim, os ventos são necessários para transportar as nuvens através da superfície do globo e para auxiliar o homem na navegação, mas quantas vezes se tornam perniciosos, produzindo tempestades e ciclones? (...) Que há de mais útil que todas as paixões da mente, ambição, orgulho, amor, ódio? Mas quantas vezes transgridem os seus limites e causam as maiores convulsões na sociedade? Não há nada mais vantajoso no universo do que o que frequentemente se torna pernicioso, através do seu excesso ou defeito, nem se guardou a natureza, com a devida precisão, contra todas as desordens ou confusões. A irregularidade talvez não seja tão grande que destrua qualquer espécie, mas é muitas vezes suficiente para levar seres individuais à ruína e miséria.
Portanto, da concorrência destas quatro circunstâncias depende todo ou a maior parte do mal natural. Fossem todas as criaturas vivas incapazes de dor, ou fosse o mundo administrado por volições particulares e o mal nunca teria encontrado acesso ao universo; e fossem os animais dotados de uma ampla reserva de poderes e faculdades, para além do que exige a estrita necessidade, ou fossem as várias dinâmicas originais e princípios do universo rigorosamente estruturados de modo a preservarem sempre o temperamento justo e médio, haveria muito menos mal em comparação com o que sentimos actualmente»

* a primeira, seria a estrutura da criação animal, pela qual as dores e os prazeres, são utilizados para tornar as criaturas vigilantes no seu labor de auto-preservação; a segunda, a condução do mundo segundo leis gerais; e a terceira, lá está, a frugalidade da distribuição dos poderes e faculdades pelos seres particulares.


David Hume - in Diálogos sobre a Religião Natural, Parte XI (Fílon)