2008/02/28

Por outro lado...

«Olha à volta deste universo. Que imensa profusão de seres, animados e organizados, sensíveis e activos! Admira esta prodigiosa variedade e fecundidade. Mas examina um pouco mais de perto estas existências vivas, os únicos seres que vale a pena olhar. Que hostis e destrutivos uns para os outros! Que mal preparados, todos eles, para a sua própria felicidade! Que deprezíveis, ou odiosos, para o espectador! O todo não apresenta nada a não ser a ideia de uma natureza cega, impregnada de um grande princípio vivificante e lançando fora do seu regaço, sem discernimento ou cuidado paternal, as suas crianças estrupiadas e abortadas.
Aqui surge o sistema maniqueu como uma boa hipótese para resolver esta dificuldade e não há dúvida que, em certos aspectos, é uma hipótese bem arguta e tem mais probabilidades que a hipótese vulgar, dando uma plausível visão da estranha mistura de bem e de mal que aparece na vida. Mas se considerarmos, por outro lado, a perfeita uniformidade e ajustamento das partes constituintes do universo, não descobriremos nelas nenhumas marcas do combate de um ser malévolo com um ser benevolente. Há, com efeito, uma oposição de dores e prazeres nos sentimentos das criaturas sensíveis, mas não se desenvolvem todas as operações da natureza através de uma oposição de princípios, de frio e quente, humido e seco, leve e pesado? A verdadeira conclusão é que a fonte original de todas as coisas é completamente indiferente a todos estes princípios e não tem mais atenção ao bem do que ao mal do que a que concede ao calor relativamente ao frio, ou à secura face à humidade, ou ao leve sobre o pesado.»


David Hume - in Diálogos sobre a Religião Natural, Parte XI (Fílon)