2008/03/29

E a vida, o que é?




«Doce Platero trotador, meu burrinho, que tantas vezes levaste a minha alma - só a minha alma! - pelos fundos caminhos de cactos, de malvas e de madressilvas: para ti este livro que fala de ti, agora que podes entendê-lo.
Vai para a tua alma, que já pasta no Paraíso, pela alma das paisagens de Moguer, que deve ter subido ao céu com a tua. Montada no seu lombo de papel leva a minha, que, caminhando entre silvas em flor para a sua ascensão, todos os dias se faz melhor, mais pacífica e mais pura.
Sim. Eu sei que, ao cair da tarde, quando, entre os verdilhões e a flor das laranjeiras, chego, lento e pensativo, pelo laranjal solitário, ao pinheiro que lamenta a tua morte, tu, Platero, feliz no teu prado de rosas eternas, me vês parar junto dos lírios amarelos que brotam do teu coração decomposto.»

Juan Rámon Jiménez - in PLatero e eu, A Platero, No Céu de Moguer



Esta dedicatória, todo este livro, será ele grotesto?
O que é que há de tão grotesto em amar-se um animal acima de qualquer outro dotado de razão? Será a solidão? Será o desprezo por falsos sentimentos de identificação? E o que é que há de tão grotesco num ou noutro?
É a realidade grotesca?