2008/03/19

Nazareus de Deus

«Vestido de luto, com a minha barba nazarena e o meu pequeno chapéu negro, devo ter um estranho aspecto cavalgando na macieza cinzenta de Platero.
Quando, a caminho dos vinhedos, atravesso as últimas ruas brancas de cal, com sol, os garotos ciganos, lambuzados e de cabelo crescido, a barriga tesa e tostada a ver-se entre os andrajos verdes, vermelhos e amarelos, correm atrás de nós, gritando longamente:
- O louco! O louco! O louco! (...)»

Juan Ramón Jiménez - in Platero e eu, O louco


«(...) Depois, nessa súbita mudança da infância, porque trazem uns sapatos e um vestido, e porque as mães - só elas sabem como - lhes deram de comer, julgam-se uns príncipes:
- Meu pai tem um relógio de prata.
- E o meu, um cavalo.
- E o meu, uma espingarda.
Relógio que despertara de madrugada, espingarda que não matara a fome, cavalo que levara a miséria. (...)
... Sim, sim. Cantai, sonhai, crianças pobres! Em breve, ao amanhecer da vossa adolescência, a Primavera vos assustará, como um mendigo numa masacarada de Inverno.
- Vamos, Platero.

Juan Ramón Jiménez - in Platero e eu, Brincadeiras do anoitecer.