2008/05/27

Se...; então...

«Não pude impedir-me de lhe causar a maior decepção que estava em meu poder causar-lhe. Mas, até ao momento, se bem que me tenha posto a questão durante a oração, durante a missa, ou à luz da irradiação que subsiste na alma após a missa, nunca tive, mesmo que por uma vez, mesmo que por um segundo, a sensação de que Deus me quer na Igreja. Nunca tive, nem sequer por uma vez, uma sensação de incerteza. Creio que, neste momento, podemos, por fim, concluir que Deus não me quer na Igreja. Não sinto pois qualquer pesar. (...)
O cristianismo deve conter nele todas as vocações sem excepção, pois que é católico. Por conseguinte, também a Igreja. Mas, a meu ver, o cristianismo é católico apenas de direito e não de facto. Tanta coisa que se encontra fora dele, tanto coisa que eu amo e que não quero abandonar, tanta coisa que Deus ama, pois de outro modo não teria existência. Toda a imensa extensão dos séculos passados, exceptuando os últimos vinte; todos os países habitados por gente de raças de cor; toda a vida profana nos países de raça branca; na história destes países, todas as tradições acusadas de heresia, como a tradição maniqueísta e albigense; todas as coisas saídas do Renascimento, demasiadas vezes degradadas, mas não totalmente destituídas de valor.
Sendo o cristianismo é católico de direito e não de facto, vejo como legítimo da minha parte ser membro de direito da Igreja e não de facto, não apenas por um tempo, mas, se for caso disso, durante toda a minha vida


Simone Weil - in Espera de Deus, Carta ao Padre Perrin, 15 de Maio de 1942.