2008/06/23

Indiferença criminosa

«Para nos assemelharmos ao bom ladrão, é suficiente darmo-nos conta de que, seja qual for o grau de infelicidade em que estamos mergulhados, fomos merecedores ao menos de tal.* Porque antes de sermos reduzidos à impotência pela infelicidade, fizemo-nos certamente cúmplices por cobardia, por inércia, indiferença ou ignorância culposa, de crimes que lançaram outros seres numa infelicidade pelo menos de igual medida. Sem dúvida que em geral não podíamos impedir esses crimes, mas podíamos dizer que os censurávamos. Abtraímo-nos de o fazer, ou aprovámo-los mesmo, ou pelo menos deixámos dizer à nossa volta que eram merecedores de aprovação. Em estrita justiça a infelicidade que suportamos não é um castigo demasiado grande para esta cumplicidade. (...)
Cada um pode e deve dizer isto a si mesmo, porque há coisas de tal maneira atrozes nas nossas instituições e nos nossos costumes que ninguém pode legitimamente julgar-se absolvido desta cumplicidade difusa. Decerto que cada um se tornou culpado pelo menos de indiferença criminosa.»


Simone Weil - in Espera de Deus, Escritos, O Amor de Deus e a infelicidade.

* Transcrevo esta primeira frase apenas para situar o leitor. É, no que me toca, uma frase muitíssimo mal conseguida.