Qualquer bom artista é uma mesa de espírita a receber mensagens do além, o que os torna, em certo sentido, quase irresistíveis: a quantidade de mulheres que sempre rodearam um monstro físico e moral como Sartre; Simenon gabava-se de ter dormido com quinze mil. Faz-me lembrar Billy The Kid afirmando haver morto dezoito homens. Acrescentava Não contando os mexicanos e esse tipo de proezas acabou para mim.
Deixou de interessar-me. Uma única mulher basta: ela é todas. Nem sequer é uma questão de maturidade, é uma questão de não ser parvo. Acabando esta crónica regresso ao livro: ali está ele à minha espera, fazendo negaças. Não tem sorte nenhuma: vou ganhar. Nem que a pele fique pelo caminho vou ganhar. (...)
Atravesso a rua para o sítio onde trabalho, pego na caneta, espero. Chamo caneta a uma esferográfica vulgar, qualquer que risque me serve. Terá sido a esferográfica que me riscou a testa com o tempo? Porque não voltas atrás e vês o que ficou escrito nela? Retratos, livros, papéis, eu a começar. O telefone soluça como um bebé e, dentro de mim, o teu nome. Vozes de crianças por trás e tudo de súbito fácil, perfeito. Não sei bem o que digo, não sei bem o que oiço. Limito-mo a afogar-me em ti como no mar.
António Lobo Antunes - Morto cobrido de amor (Visão)