2008/07/02

Uma ou duas vezes na vida

«O benfeitor de Cristo em presença de um infeliz não sente entre ele e si próprio qualquer distância; transporta até ao outro todo o seu ser; a partir daí o movimento de dar de comer é tão instintivo, tão imediato, quanto o próprio de comer quando se tem fome. E, quase imediatamente, cai no esquecimento, como caem no esquecimento as refeições dos dias passados. Um tal homem não sonharia dizer que se ocupa dos infelizes pelo Senhor; isso parecer-lhe-ia tão absurdo quanto dizer que come pelo Senhor. Come-se porque não se pode impedi-lo. Aqueles a quem Cristo agradecerá dão tal como comem. (...)
A esmola assim praticada é um sacramento, uma operação sobrenatural pela qual um homem habitado por Cristo introduz realmente Cristo na alma de um infeliz. O pão assim dado, equivale a uma hóstia. (...)
A operação sobrenatural da esmola, contrariamente àquela, por exemplo, da comunhão, não exige um completo conhecimento. Porque aqueles a quem Cristo agradece respondem: "Senhor, quando então?..." Eles não sabiam quem tinham alimentado. Nada indica sequer, de um modo geral, que eles tenham tido qualquer conhecimento de Cristo. Eles podem tê-lo tido ou não. O importante é que tenham sido justos. A partir desse momento Cristo neles deu-se a si mesmo sob a forma de esmola. Felizes os mendigos, pois há para eles a possibilidade de receberem, talvez uma ou duas vezes na sua vida, um tal esmola.»


Simone Weil - in Espera de Deus, Escritos, O Amor de Deus e a infelicidade.