2008/08/12

Planos por entre ruído abafado

Até às 6 da tarde, vou ficar aqui. Pacientemente. Que fácil me é ser paciente, ultimamente. Desde que não me peçam para fazer nada, sou a mulher mais paciente do mundo. Às 6 da tarde, está visto, ponho-me a caminho. Agradeço que o telefone não toque entretanto - só não tenho paciência para conversa de circunstância e não há energia para conversas sérias. Não tenho ânimo para conversa nenhuma, portanto. Não me liguem, dizia eu.
Ela diria: "Encontro importantíssimo, hoje às 6 da tarde. Ficará felicíssimo de me ver. Fará uma piada com a minha situação e abusará da sua posição de autoridade, para sucumbir à tentação de me tocar de forma algo imprópria, feliz por tê-lo preferido a todos os outros." O que me podia divertir com isto, não tivesse, afinal, perdido a paciência para gente que vive à base de alucinogénicos, também. O que é o mesmo que dizer, não tivesse eu perdido toda a aptidão para o social.
E, portanto, digo antes que, até às 6 da tarde, tenho desculpa para não fazer nada. Depois disso, enfim, logo se vê. Provavelmente, é desta que me ponho a caminho. Lá chegada, vão-me perguntar o que é que lá estou a fazer, porquê hoje, porquê às 6 da tarde, se é mesmo urgente, se não pode esperar. Depois, perdir-me-ão vários documentos (os que tenho e os que não tenho), olhar-me-ão de esguelha, contrariados, e eu, não fosse eu, já com a alma de joelhos e, depois, sentada, entre uns quantos de joelhos e outros tantos revoltosos, na sala de espera.
Por lá, vou ter tempo para ser arrastada para fora da minha zona de conforto. Há-de haver uma criança que, alheia ao meu desprezo, me vai querer convencer de qualquer coisa que, com o tempo, vai perceber que é, absolutamente, irrelevante. É provável que uma senhora de meia idade, voraz, aplicada em partilhar comigo as suas misérias. E um homem sozinho, inadvertidamente, teimando em exigir a minha atenção. O mais provável é que estejam já todos à minha espera.
Por enquanto, não vou pensar nisso. Lá para as 6 da tarde, talvez.