2008/10/18

O que os olhos não vêem, o coração não sente.

«O Deísmo não lhe parecia defensável; e por isso meu pai encontrou-se num estado de perplexidade, até que chegou à convicção de que nada podemos saber acerca da origem das coisas. Isto, sem dúvida, depois de ásperas lutas. A sua opinião exprime bem esta ignorância. (...) A aversão que experimentava pela religião, tal como ela é vulgarmente compreendida, era do mesmo género da de Lucrécio: considerava-a não apenas uma burla, mas até um grande mal moral. Era, para ele, o pior inimigo da moralidade; em primeiro lugar, porque cria méritos fictícios, principalmente a adesão a fórmulas de fé, a profissão de sentimentos de devoção e a participação em cerimónias que não interessam, nem umas nem outras, à felicidade do género humano; em segundo lugar, porque a religião as impõe em substituição de virtudes autênticas; e, acima de tudo, porque corrompe, na sua essência, o critério da moral, fazendo-o consistir no cumprimento da vontade dum ser, ao qual prodigaliza toda a espécie de adulações, ao mesmo tempo que o pinta da maneira mais odiosa.
(...) "Pensai, costumava ele dizer, que este Ser criou o inferno; que ele criou a espécie humana com a certeza de que a grande maioria dos homens seria lançada em tormentos horríveis e eternos, embora dotado da pré-ciência infalível". (...)
Ele sabia, melhor do que ninguém, que os cristãos não sofrem, duma maneira tão funesta, como era de esperar, as consequências desmoralizadoras que parecem inerentes à sua doutrina. A preguiça intelectual, a submissão da razão a temores, desejos, afeições, que tornam os homens capazes de aceitar uma doutrina cujos pontos são contraditórios, impede-os de se aperceberem das consequências lógicas que dela ressaltam.»


John Stuart Mill - in Memórias