2008/11/13

A Espera de Deus

Até aqui estava familiarizada com espaços de tertúlia virtual e com a ocasional conversa entre amigos. Hoje, entronizei-me no universo das comunidades de leitores e pode-se bem dizer que comecei pelo Verbo, o que, parece, é mais uma forma de se dizer que comecei pela Bíblia. Na Almedina do Saldanha discutiram-se as aproximações possíveis à Bíblia e a biografia bíblica de José Tolentino Mendonça.
Eu, que sempre acreditei que a grande contrapartida do comprometimento da nossa razão (leia-se, de se ter fé) era o conforto que traz a ilusão do braço protector, estranhei quando ouvi o convidado dizer que nunca pegou na Bíblia à procura de respostas, mas que várias vezes lá foi procurar perguntas. Pareceu-me uma abordagem mais filosófica que religiosa da Bíblia. Se não estou em erro, era Bertrand Russell quem dizia que o grande mérito da filosofia está nas perguntas que coloca, muito mais que nas respostas que possa dar.
Pois, a mim, a Bíblia suscita-me, essencialmente, esta pergunta: se quiser procurar Deus nas escrituras sagradas, onde é que o encontro? É na descrição do Deus piedoso do Novo Testamento? No Deus implacável, assassino, do Velho Testamento? Poderá ser, por hipótese, nos Evangelhos apócrifos? Tudo perguntas para as quais não encontro resposta se insistir em ver na Bíblia um instrumento de ligação directa com Deus.
Por ironia, é na reticente humildade cristã que encontro a solução para esta (pelo menos aparente) contradição. Se se admitir a transcendência da mensagem bíblica e ainda assim se valorar a componente humana das escrituras, temos o bode expiatório de que precisavamos para eximir Deus de toda a responsabilidade pelas mais vis atrocidades. É certo que, considerando que a mensagem é divina, o homem foi - e continua a ser - o veículo da transmissão da palavra e, imperfeito, demasiado humano, apropria-se do direito de acrescentar um ponto à sua narrativa. E, assim, foi o homem (que é sempre um homem do seu tempo) quem narrou/fabulou como Deus chacinou os filhos primogénitos dos egípcios, no tempo de Ramsés. Não é Deus que é imperfeito, a imperfeição é do núncio. Quando o crente se sentir capaz de conviver com o que na Bíblia há de humano, sossobram as críticas tecidas com base na contingência de uma descrição terrífica de Deus.
Porque é que Deus, que quis fazer o homem à sua imagem e semelhança, criou seres tão imperfeitos é que não consigo resolver.