2008/12/26

Reflexões a duas vozes

«(...) Naquele tempo, a Sr.ª Taylor e eu eramos bem menos democratas do que eu tinha sido, porque temíamos a ignorância e sobretudo o egoísmo e a brutalidade das massas, enquanto a educação fosse aquilo que era, e elas se encontrassem num estado de selvajaria deplorável. Mas o nosso ideal de progresso ultrapassava muito o da democracia e podíamos ser francamente incluídos no rubrica geral de socialistas. Por um lado, detestavamos absolutamente a tirania da sociedade sobre o indivíduo, que, na opinião geral, constitui o fundo da maior parte dos sistemas socialistas; por outro lado, voltávamos os olhos para uma época em que a sociedade se não encontre já dividida em duas classes, a dos ociosos e a dos trabalhadores; em que a norma, segundo a qual os que não trabalham não devem comer, seja aplicada a todos sem excepção e não somente aos pobres; em que a repartição do produto do trabalho se fixe por um acordo baseado na justiça, em vez de depender, como sucede hoje, do acaso do nascimento; em que, enfim, não seja impossível aos homens trabalhar energicamente para adquirir rendimentos que nãosejam exclusivamente para eles, mas que tenham a obrigação de partilhar com a sociedade em que vivem.
Pensávamos que a solução do problema social, no futuro, consistia em conciliar a maior liberdade de acção do indivíduo com o direito de todos à propriedade das matérias brutas do globo e à participação de todos no produto do trabalho comum. Não tínhamos a pretensão de supor que poderíamos, desde já, prever a forma exacta das instituições que conduziriam pelo caminho mais seguro a este fim, nem em que época próxima ou afastada seria possível aplicá-las. Víamos claramente que, para operar tão grande transformação - quer ela fosse possível, quer apenas desejável, - seria preciso operar-se uma transformação muito considerável no carácter deste rebanho inculto que são as massas populares e a imensa maioria da classe que dirige o seu trabalho. É preciso que estas duas classes se habituem a trabalhar e a unir os seus esforços para alcançar fins generosos, mas, em qualquer caso, concebidos à luz de um interesse geral e não, como tem sido até aqui, inspirados unicamente pelos interesses particulares.»


John Stuart Mill - in Memórias