Não sei se é assim para toda a gente, mas tenho fases em que parece que sofro de uma ‘hipersensibilidade da consciência’. Nestas alturas, o mundo é uma enorme hipérbole disposta a desestabilizar os meus sentidos. Se isso acontece numa altura em que o que se nos exige é que sejamos (e estejamos) sobretudo operacionais, então, há que tomar medidas adequadas, e eu decidi que o que havia a fazer era eliminar, pelo menos, os estímulos externos. (Em verdade, agora que o escrevo, não sei se o facto de me ter debruçado sobre a hipótese e concluído como concluí, é parte da solução ou sintomático do problema). Dizia eu, eliminar os estímulos externos. Desligar a televisão; renunciar a créditos internáuticos; seleccionar estrategicamente a divisão da casa cuja localização nos preserve das intrusões de vizinhos, em pleno gozo dos seus fins-de-semana familiares. E pronto. Só eu e minha PC - que, depois de muita consideração, decidi baptizar de Dulcineia. “O meu computador”; “Disco amovível (G:)”; “Pós-graduação”; “Dissertação”... olho pela janela da minha sala e lá está ele, outra vez, sentado ao pé dos caixotes do lixo. Gordo. Inerte, mesmo quando um cão vadio se aproxima esperançoso de alguma reacção. Merda para os estímulos externos. Como se não me bastasse tudo o que se passa sem necessidade de acendalhas e já me põe a desejar que de facto a dimensão do cérebro e actividade cerebral das mulheres fossem correlativas. Porra para o Stuart Mill. Eu, que podia ser verdadeiramente microcéfala, estou para aqui perdida à frente de uma folha virtual, já não preocupada com a minha hipersensibilidade, mas absorvida pela consciência do P. - qualquer coisa como dois anos mais velho que eu, em tempos, giro até dizer chega e um sucesso com as miúdas; agora um emplastro gordo, que não faz na vida outra coisa que não sorrir-me quando passo pelos caixotes do lixo. Explicaram-me que lhe teriam diagnosticado uma esquizofrenia ou coisa que o valha. Desliguei a televisão, renunciei aos créditos internáuticos, escolhi criteriosamente a divisão da casa onde me entrincheirar, e a puta da vida entra-me pela janela fechada a dentro. Ainda consigo pensar para comigo: deixa lá, daqui a alguns dias já consegues pensar nisso sem ir às náuseas. Se calhar, já nem te lembras e, se te lembrares, lês com desconforto o que escreveste, porque este linguajar que não te fica nada bem. Estou em crer que será, de facto, assim. Mas não sem me recriminar por a nossa sanidade mental nos constranger à casca grossa da indiferença.

