o amor não é uma saga cruel:
vejo-a cuidar das plantas no jardim,
brincam as filhas com lápis e papel
e eu escrevo sossegado. é bom assim.
na relva, um melro a saltitar, vilão
pretíssimo, esfuzia à cata de algum resto,
ou uma mosca azarada: passa lesto
entre duas roseiras. já é verão.
mas o melro demanda noutro quintal
e do poema, sem jeito e sem disfarce,
sai de bico amarelo em diagonal
desajeitada: esvoaça sem maneiras
como um pingo de tinta a escapar-se.
de verde prateado, as oliveiras.
Vasco Graça Moura
Sonetos Familiares (1994), as estações domésticas
Poesia 1963-1995

