2007/12/22

Espanto severo

«Fui direito a ela e sentei-me a seu lado, numa cadeira, como um insensato, que era: peguei-lhe na mão e não me lembra do que lhe disse, ou antes, do que lhe quis dizer, porque me senti incapaz de pronunciar correctamente duas palavras. A minha voz emudecera, e não emitia nem mais um som. Além disso, não sabia que dizer-lhe, sufocava.
- Falemos... vês... diz-me qualquer coisa - balbuciei, de súbito, estupidamente - seria momento para ter espírito? De novo, ela estremeceu e cambaleou, dominada por um pavor imenso, fitando-me bem de frente; mas, de súbito, um espanto severo se lhe pintou nos olhos. Sim, espanto e severo. Olhou-me com as pupilas dilatadas. Esta severidade, este espanto severo tinham-me, de repente, aterrado: "Com que então ainda querias amor, amor?" - parecia perguntar-me aquele espanto, embora ela não tivesse aberto a boca. Mas eu lera tudo isso, tudo isso. Um abalo me percorreu e eu deixei-me cair a seus pés. Sim, rojei-me a seus pés. Ela deu um salto para se levantar, mas eu, com uma força extraordinária, peguei-a pelos pulsos.»


Dostoievski - in Está Morta!, A névoa que se desfaz.