2007/12/07

«A psicologia do burguês filia-se no lucro. É em volta do lucro que se desenrola tôda a sua actividade; e como esta abrangeu o mundo e interessou, a mal ou a bem, directa ou indirectamente, tôda a gente, nunca a ideia de lucro foi tão avassaladora como desde que o regime capitalista impera. (...)
É assim que, quer queiramos quer não, todos nos tornamos burgueses, pondo no primeiro plano das preocupações e da forma cada vez mais absorvente, a da melhoria ou conservação da economia quotidiana, do bem-estar material, relegando pouco a pouco, para um plano secundário, ou amortecendo-as por completo, as outras, as ideologias puras - artísticas, científicas, sociais, etc. - as desiteressadas, as mais nobres.
Se olharmos em volta de nós, se observarmos bem, reconheceremos que vai havendo, de dia para dia, menos razão para atirarmos a pedra ao burguês, pedra que, de ricochete, vem bater, quási sempre, naquele que atira. Não fazemos todos o mesmo que êle? Mais ou menos, bem sabemos, e maldizendo da nossa vida, sofrendo até, ainda que êsse sofrimento seja, em muitos casos, mais declamado que real. E quem nos diz que aquêle, a quem, pelo seu modo de vida, chamamos burguês, não tem lá dentro alguma coisa de superior à ideia de lucro, não é, de certo modo, um idealista? A complexidade da vida atingiu tais proporções, a misturada no turbilhão é tão grande, que são já muito numerosos os burgueses idealistas e ainda mais numerosos os idealistas burgueses. (...)
É mais rara a libertinagem nas classes elevadas ou a imoralidade boçal nas classes baixas, do que nas classes médias, filhas da burguesia e por ela formadas? (...)
Nunca, comecei por dizer, uma classe foi mais atacada do que a burguesia. É porque nunca uma classe exerceu um domínio mais extenso e com dominados mais esclarecidos. E isto é assim, porque nunca uma classe social realizou, na vida dos homens, uma transformação mais vasta e extraordinária. »

Emílio Costa - in Ascensão, Poderio...