2008/01/16

Começa assim:

Perdoai-me Senhor, porque pequei.

Se há coisa em que não acredito é na "justiça divina". Por partes: não professo, mas admito estar enganada, a ideia da existência se um Ser supremo, divino, maestro numa orquestra univesal (o que faz de mim, até ver, agnóstica); depois, e esta descença é pressuposto da primeira, reservo-me seríssimas dúvidas, e o empirismo tem destas coisas, quanto à intervenção "correctiva" de qualquer entidade, Sumíssima ou não, no quotidiano de todos nós; por último, e sobre todas as outras, jamais poderia fazer a apologia de uma "justiça" - divina ou não - semelhante à que nos surge em mais que muitas passagens das escrituras. Acreditar na existência de uma "justiça" nestes termos, seria assumir a maior das desiluções, pior que viver descrente de qualquer Deus, e viver aterrorizada para todo o sempre. Nesta vida e, por esse caminho, nas outras também.
Assim, reza que Deus encomendou a Moisés a salvação do seu povo. É certo. Deu-lhe a cana e mandou-o pescar, como se diz que bem ensina. Ordenou-lhe, no entanto, que lançasse dez pragas sobre o Egipto opressor - a última das quais, a morte dos primogénitos egípcios. Eis o primeiro indício de que, pelo menos em última instância, e à luz desta divina "justiça", não parece mal, que pague o justo pelo pecador.
E, depois, há Sansão, personagem atormentado, despojado da sua força, dos próprios olhos, a quem David Grossman, insuspeito judeu, se refere como precursor dos actuais bombistas suicidas, à custa de um "suicídio assassino" - fazendo-se sepultar com três mil filisteus.
Esta "justiça divina", este "escrever certo por linhas tortas" tem, afinal, tudo que ver com Talião e com outro ditado, temeroso, que diz que "os fins justificam os meios".
Depois dato os textos que critico, recordo os milénios transcorridos e reconforto-me com as conquistas da civilização. Duas coisas, no entanto, não corrijo: a, ainda assim, relativa tristeza, pela transmissão, mais que acrítica, acéfala, do conhecimento do cristianismo; e esta revolta dorida, descrente - felizmente -, cada vez que se ouve, ainda mais uma vez, que escreveu Deus certo... por linhas tortas.