2008/01/12

«Se os tubarões fossem gente

"Se os tubarões fossem gente", perguntou ao senhor K. a miudita da sua senhoria, "não eram mais amigos dos peixes pequeninos? - "Claro que eram", disse ele. (...) "É evidente que o mais importante seria formação moral dos peixinhos. Ser-lhes-ia ensinado que a coisa melhor e mais linda que havia era um peixinho sacrificar-se com alegria e que tinham todos de acreditar nos tubarões, em especial quando eles dissessem que haviam de preparar-lhes um futuro risonho. Os peixinhos seriam levados a perceber que este futuro só estaria assegurado se eles aprendessem a obediência. Contra todas as inclinações indignas, materialistas, egoístas e marxistas teriam os peixinhos que se precaver e informar imediatamente os tubarões no caso de algum deles dar mostras de qualquer destas inclinações. Se os tubarões fossem gente, também fariam naturalmente guerra uns aos outros, para conquistar casotas e peixinhos estranhos. As guerras mandá-las-iam fazer pelos peixinhos deles. (...) É evidente que haveria também uma religião, se os tubarões fossem gente. Ensinaria que os peixinhos só na barriga dos tubarões começam a verdadeira vida. De resto, se os tubarões fossem gente, haveria também de se acabar com essa de que os peixinhos, como é agora o caso, são todos iguais. A alguns deles seriam atribuídos cargos e esses seriam colocados acima dos outros. Os maiorzinhos teriam até autorização para comer os mais pequenos. Isso só dava jeito aos tubarões, que assim arranjavam maneira de comer bocados maiores mais vezes. (...) Resumindo, só nessa altura é que passaria a haver no mar uma cultura, se os tubarões fossem gente."»


Bertolt Brecht - in Histórias do senhor Keuner