2008/02/10

Lógica

«Mas se tantas dificuldades se colocam ao argumento a posteriori, disse Demea, não faríamos melhor em aderir àquele simples e subtil argumento a priori, o qual, oferecendo-nos uma infalível demonstração, corta de uma vez todas as dúvidas e dificuldades? (...)
Não deixarei para Fílon, disse Cleanto, (embora eu saiba que as objecções iniciais são a sua principal satisfação) o apontar da fraqueza desse raciocínio metafísico. Parece-me tão obviamente mal fundado, e ao mesmo tempo com tão pouca consequência para a causa da verdadeira piedade e religião, que me arriscarei eu próprio a mostrar a sua falácia.
Começarei observando que há um absurdo evidente em pretender demonstrar uma questão de facto, ou em prová-la por qualquer argumento a priori. Nada é demonstrável a não ser que o contrário implique uma contradição. Nada, que seja distintamente concebível, implica uma contradição. Consequentemente, não há ser algum cuja existência seja demonstrável. Proponho este argumento como totalmente decisivo e estou disposta a nele apoiar a restante controvérsia.
Pretende-se que Divindade é um ser necessariamente existente e espera-se que esta necessidade da sua existência seja explicada declarando que, se se conhecesse toda a sua essência e natureza, compreenderíamos ser impossível ela não existir, tal como é impossível dois vezes dois não serem quatro. Mas é evidente que isto nunca pode acontecer, enquanto as nossas faculdades permanecerem as mesmas que até agora. Continuará, no entanto, a ser possível para nós, a qualquer altura, conceber a não existência do que primeiramente concebemos como existente; por outro lado, nem a mente poderia alguma vez permanecer sob a necessidade de supor qualquer objecto continuamente sempre existente, do mesmo modo que permanecemos sob a necessidade de conceber sempre dois vezes dois serem quatro. Por conseguinte as palavras existência necessária não têm sentido algum ou, o que é a mesma coisa, não têm qualquer sentido que seja consistente.
Mas mais, porque não pode ser o mundo material o Ser necessariamente existente, de acordo com esta pretensa explicação da necessidade? »


David Hume - in Diálogos sobre a Religião Natural, Parte IX