2008/04/29

What though the radiance'/Which was once so bright/Is now forever taken from my sight...*

«Alguém se lembra da história da mulher adúltera? "Vai, e de agora em diante não tornes a pecar", diz-lhe Jesus. O pedido de perdão e o reconhecimento do erro só têm valor se a partir daí houver mudanças na nossa vida. (...)
A dimensão da pedofilia no seio da Igreja Católica americana atingiu uma dimensão impensável, envolvendo mais de quatro mil padres, cerca de 4% de todo o clero. No total, foram pagos dois mil milhões de dólares em indemnizações. Dois mil milhões de dólares. Imaginem um católico a pôr uma moedinha no cofre da igreja cheio de vontade de ajudar os pobres e depois ver esse dinheiro ser desviado para o bolso de uma das 13 mil vítimas que foram abusadas por padres em criança. Mais do que isso: as violações por parte de sacerdotes foram abafadas pela hierarquia católica, com variadíssimos bispos (e pelo menos um cardeal) envolvidos na estratégia de silenciamento, optando por proteger os abusadores durante décadas e décadas.
Vale a pena pedir desculpa por uma coisa destas? É sequer possível perdoar? Bento XVI acha que sim. Só que, como várias vítimas reclamaram, o que se pede são actos e não palavras. Existem reivindicações concretas, que passam pela mudança das leis canónicas, mas existe um problema global, relacionado com a forma como a estrutura da Igreja convida ao silêncio e à submissão e, sobretudo, como ela entende a sexualidade.» (João Miguel Tavares)

Concluindo, ...Though nothing can bring back the hour/Of splendour in the grass, of glory in the flower... :

«A minha concepção da virgindade pré-matrimonial ou do celibato compulsivo está muito próxima da que é sugerida em O Esplendor à Flor da Relva (1961): a relação entre o amor e a repressão da carne tanto pode representar a abnegação e a entrega como, mais provavelmente, constitui a semente para o mais completo desvario.
O confronto perdido com expectativas impossíveis de cumprir - que entretanto se incorporaram como culpa - e o consequente sentimento de irredimível queda moral (perdido por 100 perdido por mil), não deixam de retratar o quanto o excessivo rigor dos princípios pode aplanar o caminho para a implosão de quaisquer princípios. (...)
Segundo, porque as "condições de possibilidade" para a elevada prevalência de pedofilia entre os padres não estão, a meu ver, nas práticas pérfidas de uns poucos como nas regras austeras que a todos regulam. Na maior parte dos casos a pedofilia acontece não tanto porque os padres sejam pedófilos undercover, acontece, isso sim, porque são sujeitos sexualmente descompensados que vão tirar partido, ora da vulnerabilidade de menores como hipótese sexual, ora da vergonha que neles se gera como garantia de silêncio. Não querer perceber isto é assobiar para o lado.» (Bruno Sena Martins)

...We will grieve not, rather find,
Strength in what remains behind...


*William Wordsworth, in Recollections of Early Childhood, Intimations of Immortality