2008/10/24

O Ideal

«Graças ao espírito liberal da nossa época, ou, se se prefere, ao enraizado preconceito que impede os homens de ver as coisas que se metem pelos olhos a dentro, logo que elas sejam contrárias aos seus desejos, admite-se sem dificuldade que um deísta possa chamar-se religioso. E, se é certo que a religião consiste em certas qualidades de carácter e não em determinados dogmas, podem também apelidar-se de religiosas aquelas crenças que não chegam a ser deístas.
É verdade que aqueles que as possuem não admitem como provado que a construção do Universo tenha obedecido a um plano e seja governado por um ser omnipotente e duma bondade perfeita; mas aceitam, e é isto o que dá valor primordial a toda a religião, uma concepção ideal de ser perfeito para o qual costumam levantar os olhos, como para o guia da sua consciência. Este ideal de bem aproxima-se ordinariamente muito mais da perfeição que o Deus objectivo que adoram aqueles que se julgam obrigados a descobrir a bondade absoluta no autor dum mundo tão cheio de sofrimento e tão desonrado pelas nossas injustiças.»


John Stuart Mill - in Memórias